Por Luiz Domingues
Em 1951, um extraordinário filme ao estilo Sci-Fi foi lançado, assinado pelo grande diretor, Robert Wise, mas, ao contrário da imensa maioria de seus pares, não foi concebido para construir em seu roteiro a típica mentalidade norte-americana em manter-se sob o sinal de alerta permanente contra-ataques e invasões de alienígenas hostis, e estes a apresentar planos de domínio e / ou aniquilação do planeta Terra.
The Day the Earth Stood Still (O Dia em que a Terra Parou) mostrou a chegada de um alienígena, chamado Klaatu, a estabelecer uma missão de paz, ainda que na sua pauta houvesse a dura e realista advertência para que os humanos parassem de auto destruir-se com armas cada vez mais devastadoras.
A mensagem de paz e protesto à guerra fria e sua inerente paranoia nuclear, transformou o filme num clássico do gênero.
Muitos anos depois, após a explosão da cultura Beat, a contracultura amalgamou-se com diversos outros elementos, para tornar a sua diversidade, um estimulante caldo mediante manifestações artísticas, ou seja, uma verdadeira mônada que deu todo o sentido ao Flower Power sessentista, ao explodir em cores, sons, lisergia e metafísica.
Corte brusco…
Agora falo sobre a cidade de São Paulo, logo no começo dos anos noventa, época onde eu, pessoalmente, notei uma mudança significativa na mentalidade de uma nova safra de alunos que começou a aparecer em minha sala de aulas, quando eu ministrava aulas de baixo. Ao contrário do tipo de aluno que estava habituado a lidar (com garotos aficionados de Hard-Rock e Heavy-Metal oitentistas, em sua maioria), essa nova safra noventista demonstrou possuir um impressionante interesse pelo Rock das décadas de sessenta e setenta, e claro que facilitou demais a minha vida em todos os sentidos, pois esses novos garotos falavam a minha língua contracultural, enfim…
Um desses jovens garotos que iniciou as suas aulas comigo, logo em 1992, chamava-se: Alexandre Peres Rodrigues, que ostentava o apelido, “Leco”.
Na imagem ao lado, à direita, Alexandre “Leco” na minha sala de aulas nos anos noventa. Emblematicamente, ele encontra-se no centro da foto a gesticular a saudação: “Klaatu Barada Nikto”, observada no filme, The Day the Earth Stood Still, que o influenciaria muitos anos depois, ao criar a sua banda, Klatu, grafada com um “A” a menos, para não ter problemas jurídicos óbvios. Na mesma foto, Carlos Fazano de camisa lilás e Marcos Amon, a usar camiseta do Corinthians. Click e acervo: Luiz Domingues.
Muito interessado na estética 1960 / 1970, ele demonstrara também conhecimento significativo sobre literatura e cinema Sci-Fi; Cultura HQ; e à medida que o tempo avançou, não só mergulhou inteiramente em tais ideias misturadas, como acrescentou outros ícones contraculturais análogos, ao enriquecer o seu arquivo pessoal de cultura. Muito inteligente e gentil, tornou-se um entusiasta de toda a efervescência que a minha sala de aulas proporcionou nos anos 1990.
Nessa época, ele já atuava em uma banda, chamada Eternal Diamonds, que apresentava o seu material próprio, apesar da pouca idade de seus componentes. De sua formação, além de Alexandre no baixo, o Eternal Diamonds manteve outros talentosos membros, como Rodrigo Hid (futuro Sidharta; Patrulha do Espaço e Pedra), e Fernando Minchillo (futuro Carro Bomba e Baranga).
Tal grupo chegou a gravar uma demo tape e arregimentar um pequeno portfolio com material de imprensa, mas a banda encerrou as suas atividades. Rodrigo foi tocar comigo no Sidharta, que culminou posteriormente na volta da Patrulha do Espaço à cena artística, onde atuamos juntos por muitos anos, e a parceria prosseguiu no Pedra. Fernando tocou no Soulshine, banda embrião do que hoje é o Tomada, antes de ingressar no Carro Bomba e posteriormente teve passagem pelo Baranga. Alexandre foi tocar no Supernova (com Carlos Fazano), uma banda a propor um trabalho ultra baseado em estética sessentista e posteriormente montou uma banda orientada pela escola do Soul / Funk sessenta / setentista, chamada Molho Inglês.
Ao lidar com essa sonoridade plena de groove movido pela Black Music, o Molho Inglês sedimentou as raízes de sua nova banda, denominada Klatu (leia de novo os primeiros parágrafos desta matéria para ter outra visão sobre o que eu falei…). Com a clara intenção em levar adiante o Soul ultra dançante que fazia no Molho Inglês, mas a agregar outros elementos, o Klatu nasceu sob a égide da cultura Sci-Fi, daí o seu nome a evocar o personagem fantástico do alienígena pacifista vivido pelo ator, Michael Rennie, no filme The Day the Earth Stood Still. “Klaatu Barada Nikto… Mr. Gort !”
O primeiro álbum do Klatu: Em Busca do Rock Infinito
A sonoridade do disco é um convite animador para quem aprecia o som das décadas de sessenta e setenta, sob várias vertentes: lisergia sofisticação progressiva, black music, experimentalismos múltiplos, riffs e solos infernais de guitarras & sintetizadores e letras que investem forte na contestação de condicionamentos sociais detestáveis, além de uma dose de loucura, porque loucura pouca é bobagem…
Músicas como: “Teoria e prática do rock infinito”; “Kuarta dimensão”; “Opus 67 in J bemol”; e “Vai acabar”, tem sofisticação instrumental, a apresentar elementos claros das escolas do prog rock; jazz-rock; e experimentalismos muito interessantes. Nessa época, o Klatu ainda contava com o guitarrista, Vicente Carrari, em sua formação fixa.
“Zé Eurico” é enigmática pelo título inusitado que não explica claramente quem seja tal personagem, mas em sua letra, chama-me a atenção pelo seu caráter que evoca a expectativa de um artista plástico em relação ao seu público, diante de uma obra abstrata, ou seja, penso nisso quando ouço uma frase que considero emblemática: “sem refrão, só por provocação, cada um pensa em sua versão”…
A música “Nunca é tarde” chamou a atenção da cineasta Laís Bodanzsky, que a incluiu na trilha de seu filme: As Melhores Coisas do Mundo, o seu longa-metragem lançado em 2010. Com tal exposição midiática tão boa, muitas portas abriram-se para o Klatu, que só cresceu desde então.
O segundo álbum do Klatu: Um Pouco Mais Desse Infinito
O segundo disco Um Pouco Mais Desse Infinito mantém a banda nessa temática calcada na literatura Sci-Fi e pela sonoridade em torno das escolas dos anos 1960 / 1970.
Ao contrário do primeiro álbum, que foi recheado por músicos convidados, nessa segunda obra, o Klatu centrou-se mais na sua formação fixa, com poucas participações de convidados. Alexandre “Leco” no baixo e vocais; Carol Arantes no vocal principal e percussão; André Barará na guitarra e Felipe Silva na bateria.
O disco é mais direto, sem o experimentalismo todo da primeira obra, mas continuou a investir em riffs setentistas fortes, groove dançante da Black Music e letras a buscar o caminho da contestação, por usar o recurso da ironia, o que lembra bem o trabalho d’Os Mutantes e da Rita Lee dos bons tempos com o Tutti-Frutti.
O nível dos instrumentistas é muito bom. As canções são ótimas e a temática, idem. Todo o revestimento visual da obra do Klatu tem o elemento SCI-Fi; a lisergia pisicodélica e o Universo da HQ / Comics como mote central, ou seja, são atrativos a mais.
No primeiro disco, a capa foi assinada pelo artista plástico / músico / web designer, Diogo Oliveira, do qual sou fã incondicional pelo seu quilate artístico inquestionável. No caso da segunda obra, a banda recorreu a um artista igualmente talentoso e das mesmas qualificações, Fábio Gracia, também um grande músico; artista plástico e web designer. Sob tão boas mãos, o projeto gráfico dos dois CD’s ficou assegurado na evocação Sci-Fi, certamente.
Em ambos, a produção de estúdio, mixagem e masterização ficou a cargo de Renato Carneiro, um profissional que eu admiro e conheço bem, por ter sido o produtor dos dois primeiros discos do Pedra (banda da qual eu fui componente), e sei bem, depois de tantas horas de convívio em estúdio, que ele é um produtor que está além do patamar da competência profissional padrão, pelos conhecimentos técnicos de áudio, mas sobretudo pelo trato humano que é sensacional, com a total liberdade artística e interação nas ideias que gentilmente cede ao artista, nas decisões.
Conheça seu som do Klatu, ao examinar a sua página no You Tube: www.youtube.com/bandaklatu
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Luiz Domingues é músico e escritor.
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