CD O Voo do Marimbondo / Vento Motivo

Por Luiz Domingues

Ao escutar o quarto trabalho da banda paulistana, Vento Motivo, denominado, “O Voo do Marimbondo”, tenho boas novas a relatar. O primeiro ponto é a qualidade musical óbvia, advinda da parte de seus quatro componentes.

Bem, é quase uma obviedade afirmar-se que Fernando Ceah (Vocal e Guitarra); Kim Kehl (Guitarra, Violões e Backing Vocals); Marcião Gonçalves (Baixo, Guitarra e Backing Vocals) e Binho (Bateria e Percussão), figuras tarimbadas na cena Rocker brasileira, não pudessem apresentar algo que não fosse versado pela ótima qualidade. Todavia, eu, Luiz Domingues, estou inserido no mercado da música há trinta e nove anos (1976/2015), e, por isso, sei bem que para estabelecer-se a “liga”, um conjunto musical precisa mais que reunir bons instrumentistas/cantores em seu bojo. Mais que isso, na história da música e do Rock, em específico, nem toda banda formada por grandes músicos deu certo.

É preciso haver uma química, e que muitas vezes passa por imponderáveis razões para ser inteiramente compreendida. Todavia, não é o caso desse disco e dessa formação atual do Vento Motivo.

Sob uma segunda constatação, o disco não reúne apenas um apanhado de boas canções, mas, sobretudo, posso afirmar que são muito bem arranjadas.

Eu gostei bastante das soluções encontradas pelos seus componentes, que souberam dar brilhantismo extra à proposta Pop que a banda certamente propõe-se a compor e apresentar.

Terceiro ponto, os músicos convidados, que atuaram no álbum, vieram com contribuições pontuais ao melhor estilo de uma colaboração efetiva, para enriquecer ainda mais o resultado sonoro final.

Quarto aspecto, eu sou muito suspeito para falar sobre o artista plástico/multi-músico e Web Designer, Diogo Oliveira, que foi o responsável pela ilustração da capa, pela evidente ligação artística que eu tenho com ele, que já assinou capa de disco de banda minha, mas como não elogiar uma ilustração fantástica dessas ?

Quinta constatação: as letras das canções são absolutamente excelentes!

Todas de autoria de Fernando Ceah, com exceção de uma escrita pelo baterista, Binho, são na verdade poemas a contar com muita inspiração e profundidade, para destoar completamente (ainda bem!), da vergonhosa mixórdia que assola o panorama artístico atual, no mundo da música mainstream do Brasil, e quiçá do planeta inteiro, a revelar-se em um substrato vergonhoso em prol da subcultura de massa, perpetrada propositalmente pelos marqueteiros e seus malditos asseclas, os famigerados: “formadores de opinião”.

Portanto, o CD “O Voo do Marimbondo” trata-se de um trabalho dotado de muita qualidade artística, cercado por predicados. A primeira canção, chamada, “1º de abril”, remeteu-me à Jovem Guarda, mas ao contrário da ingenuidade extrema daquela escola musical Pop dos anos sessenta, e sua inerente aproximação com o brega popularesco, o som proposto pelo Vento Motivo contém muito maior vigor musical e poético. É muito positiva a intervenção melodiosa do trompete, executada pelo músico convidado, Paulo Roberto Pizzulin, ao trazer-me de imediato a lembrança da ótima música produzida por um artista do quilate de Burt Bacharah. O outro convidado nessa faixa, André Knobl, faz um belo solo de sax. E em algumas intervenções de ambos a tocar juntos, oferece ao ouvinte um certo sabor da Soul Music e que logicamente muito agradou-me. Por brincar com a questão da mentira, Ceah escreveu uma letra que chega a ser desconcertante em alguns aspectos.

Um exemplo de mega sinceridade consta na expressão : “Mas se todos vão, eu volto louco pela contramão / Procurando em qual bifurcação eu perdi a acidez/ Pra jogar em tanto açúcar”…

A seguir, na canção, “Segunda-Feira Será”, impressionou-me a linha de baixo construída por Marcião Gonçalves. Conheço-o há muitos anos, é meu amigo, eu sei, mas preciso dizer: quase todo guitarrista toca baixo, pela semelhança entre os instrumentos que são oriundos da mesma família das cordas. Quando o conheci, era um exímio guitarrista e um dia, por volta de 2004, ele disse-me que migrara para o baixo. Certo, pensei, ele vai tocar “licks” de guitarra no baixo, como quase todo o guitarrista que se arrisca no bólido das quatro cordas, mas, não, Marcião desenvolveu-se como baixista de uma forma impressionante e de fato, é como se tivesse dentro de seu cérebro, uma chave de “liga e desliga”, pois quando toca baixo, raciocina como um baixista e não como um guitarrista a tocar baixo. Nesses termos, ele constrói linhas de extremo bom gosto, com poder melódico e swing típico de um grande baixista, caso do que fez no disco inteiro, mas muito realçado nesta faixa que estou a citar.

Uma inusitada e bonita inserção de música de raiz, com a participação do violeiro, Noel Andrade, aparece ao final da canção, para conceder-lhe um colorido todo especial. “Segunda-Feira será dia de lutar pela vida”, um dos versos da música, faz com que pensemos que o condicionamento cultural em que fomos submetidos por séculos, enraizou a ideia tola de que qualquer ação positiva que estabelecemos pela nossa sobrevivência, só pode começar nesse dia em específico, e que é inexoravelmente carregado por energia de desânimo, decorrente em face pela dura labuta da vida…    

Genial é, portanto, ao seu final, ouvir-se o toque padrão dos despertadores digitais… a segunda-feira começa assim para a maioria das pessoas deste planeta…

A próxima faixa, “Mary Jane”, é um Rock que lembrou de certa forma a fúria sonora dos Stooges de Iggy Pop. Andamento rápido e raivoso, com uma letra quase desesperada em tom de pesadelo descrito. Uma declamação no meio da música e um inspirado baixo com leve efeito de flanger, chamaram-me a atenção, também.

Sobre “O Barco e o Porto”, tenho a dizer que o guitarrista, Kim Kehl, destaca-se com as suas intervenções orientadas pelo bom gosto. E a letra é um caso à parte : “Joguei uma garrafa ao mar, com a frase mais linda de se escrever/ Se o barco naufragar, as marés é que vão te dizer”, diz um verso criado por Ceah… ou seja, dá para ser romântico, e escrever poesia, sem cair na pieguice.

Em “A História Atual dos Talentos”, digo que o guitarrista, Kim Kehl brilha muito. As suas intervenções com solos e contra-solos sob inspiração da escola Country-Rock, caiu como uma luva para essa canção. Consta também, a participação muito rica do ótimo violinista, Cássio Poleto, ao fornecer mais signos em torno da cultura caipira dos norte-americanos, além de contar com uma letra muito boa, a traçar um paralelo entre o mercantilismo do mundo e o ser humano. 

“Quanto custa você ? / Qual o valor do teu piscar ? / Qual o saldo do seu ser ? / “Tem troco para o que sou ? / Você tem garantia ? / Quanto vale a sua palavra ? / O que acontece se eu quebrar ? / Quanto invisto pra te agradar” ?…

Em sua construção poética, é quase como que Ceah quisesse criar um “Procon” para resolver conflitos que todo ser humano enfrenta e nem sempre consegue resolver, nem mesmo quando desabafa, deitado em divãs psicanalíticos.

“Clareia” é uma balada dotada de extrema qualidade. Eu gostei muito da intervenção de baixo e guitarra juntos em um micro solo bastante melódico. Contém igualmente uma bela harmonia a sustentá-la.

“Porta-Aviões e Barcos de Papel”, trata-se de uma balada bastante densa. 

É muito boa a participação do meu amigo, Rodrigo Hid, aos teclados, a configurar-se como um outro convidado do Vento Motivo para esse álbum. Com aquele timbre muito próximo de um órgão “Farfisa” que ele estabeleceu, deu portanto um toque psicodélico à música. Muito boa apresenta-se também, a linha de baixo de Marcião e da bateria de Binho, também. Gostei muito do solo ao estilo dos Rolling Stones, feito pela guitarra do Kim, a evocar, Mick Taylor, exilado na rua principal, se o leitor permite-me um excesso de euforia de minha parte, como ouvinte e resenhista.

A faixa seguinte, trata de lealdade, ética, devoção… e mais uma série de valores muito exaltados na filosofia que dá sentido às lutas marciais em geral, mas, neste caso, a tratar sobre o universo do Karate. “Karate-Do” (A Liga da Justiça), fala especificamente desse universo marcado por rígidos valores, a dar substância e sentido maior ao uso da força física por parte de tais seguidores dessa luta. “Se combato um inimigo, é para fazer mais um amigo”, talvez soe ingênuo sob uma primeira audição, mas se o ouvinte mantiver a paciência para entender o contexto dessa letra, creio que poderá apreciá-la em sua plenitude. Uma boa ideia no arranjo foi a inclusão de gritos e gemidos típicos de praticantes dessa arte marcial, a trazer-lhe o aspecto mais humanizado.

“A Despedida do Poeta” é uma balada bastante dramática. Muito boa a intervenção de Rodrigo Hid ao piano e, sobretudo, a performance de Kim Kehl a usar o efeito do “Ebow” na guitarra, a reforçar a sua eloquência enquanto canção bastante emocional.

Lembra o trabalho do compositor, Cazuza, em certos aspectos, a interpretação do Ceah, e a letra é um tanto quanto melancólica: “Toda vez que eu inventei o amor, eu criei a minha dor”

 

 

Em “A Lei que Vale”, o clima é de desabafo e existe uma carga de Rock oitentista bem forte nessa composição. Não é a minha predileção, mas eu apreciei o bom solo do Kim Kehl.

A última canção do disco, é “Vem Sol, Vai Chuva”, que mostra-se  bastante melódica. Gostei muito de uma inserção ao estilo Funk-Rock (e aproveito para desabafar, no sentido de que acho um fardo viver em um mundo onde toda vez que cito o Funk, tenho que explicar que não trata-se daquela manifestação que vemos por aí, mas sim o “verdadeiro Funk”, que vem da raiz nobre do Soul e do R’n’B, e que foi imortalizado por James Brown e tantos outros artistas geniais). Com um baixo absolutamente brilhante, Marcião Gonçalves parece estar a tocar com a Sly and the Family Stone no palco da Soul Train, na Philadelphia…

Muito boa também a inclusão de um clavinete, bem ao estilo de Stevie Wonder, pilotado muito bem pelo Rodrigo Hid. E revela-se  absolutamente adorável o seu final, quando uma vinheta construída em torno da melodia e da letra da canção, traz uma criança a cantarolar em ritmo de uma cantiga de roda…”Vem Sol…Vai Chuva”. 

Sobre a capa, já elogiei o artista plástico, Diogo Oliveira, mas cabe acrescentar que a ilustração mostra uma visão com triplo alcance visual.

É como se estivéssemos em um avião, a olharmos para baixo, e verificarmos a presença de um outro avião (na verdade, um caça militar em ação de guerra), a sobrevoar a pista de um porta-aviões. Nas asas do caça, as figuras de dois marimbondos, estilizados como logotipo a conter divisões militares. Tudo em preto e branco, mas com um brilho e contraste impressionantes, a realçar tessituras. Dá para ver o movimento do mar, em ranhuras muito elucidativas. Uma ilustração brilhante em minha opinião.

O encarte é recheado por informações; contém todas as letras e muitas fotos promocionais da banda, a posar na região do cais do porto, na cidade de Santos, e assim reforçar a ideia dos porta aviões e barcos de papel, nome de uma canção; a ligação desse álbum com voo sobre o mar, e a própria ilustração da capa.

Boa produção de áudio, com a mixagem a seguir o padrão radiofônico Pop. Particularmente, gosto mais do conceito Rocker e livre, fora das regras do mercado, ou seja, com a voz do cantor principal mais próxima dos instrumentos, mas eu entendo a opção da banda e claro que imagino que pelo teor das letras, a preocupação com a inteligibilidade deve ter determinado isso, também.

Gravado nos estúdios Curumim, de propriedade do próprio Fernando Ceah  e com boa produção de Carlos Perren, um profissional bastante competente e extremamente acessível no trato pessoal.

Gostei bastante dos timbres dos instrumentos, principalmente o baixo, e não é por que eu seja baixista, pois quem conhece-me, sabe bem que não escuto música a prestar atenção nesse instrumento em específico. Mas, realmente, o brilho e o peso do baixo ficaram excelentes, só a realçar ainda mais a performance matadora de Marcião Gonçalves. Luizinho Mazzei cuidou da mixagem e Lampadinha fez a masterização. Fotos a cargo de Marco Estrella.

Lançado pelo selo próprio, Curumim, a banda vem a divulgá-lo com bastante empenho e a obter bons resultados. Recomendo esse trabalho, certamente, e reforço a ideia de que se o Rock brasileiro parece morto, na verdade, nos subterrâneos fora do patamar  mainstream, ele vive e muito bem, através de dúzias de artistas criativos, caso do Vento Motivo.

E se tais artistas, como o Vento Motivo entre eles, não estão fortes na mídia mainstream, é por pura opção dos poderosos que a dominam, e a manipulam há décadas, para assim impedir que vários artistas talentosos tenham acesso, por conta de seus outros interesses escusos. Só por isso.

Conheça melhor esse trabalho, ao visitar o site oficial da banda:

www.ventomotivo.com.br


Luiz Domingues é músico e escritor.

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