Que a vertente do Rock Progressivo setentista foi a mais vilipendiada da história, por detratores de toda a espécie, creio não haver dúvida alguma, nesta altura dos acontecimentos, século XXI a caminho de encerrar a sua segunda década de existência.
Por conta de tal persistência, eis que jovens (que em tese nem deveriam saber o que representou tal estética oriunda de tantas décadas atrás) surgiram no panorama artístico, espalhados pelo mundo, a montar bandas, fomentar uma cena e reviver o mais puro Art-Rock de outrora. E claro, dentro do corolário do Rock Progressivo, ou seja, a respeitar as suas mais belas tradições a versar pela sofisticação musical, sob inúmeros aspectos.
Por exemplo, o apreço inerente pela música erudita, e à Folk music de raiz europeia, os dois pilares da alma mater do estilo, além da extrema preocupação em caprichar nos arranjos individuais de cada instrumentista e da banda como um todo, fora o esmero na produção dos timbres, na respectiva resolução do áudio, ao buscar-se o produto final. Um típico fã de Rock progressivo não presta atenção apenas na melodia cantada como uma canção Pop qualquer que toca no rádio ou que ouve forçosamente em uma “balada”, mas vai fundo na sua prospecção por todos os detalhes e vibra com cada elemento dentro da obra de um artista.
Certamente por ser um gênero onde a sofisticação musical é uma marca registrada, o apuro do artista é automático na elaboração de sua obra, o que faz desse estilo, algo muito especial, sem nenhum demérito a outras escolas dentro do Rock, mas a deixar claro que, para tocar Rock Progressivo, é preciso ter embasamento técnico, teórico e conhecimento de áudio para mediante tal carga de bagagem mais avantajada, ser possível pleitear a atenção dos exigentes fãs desse estilo. Ou seja, isso explica muita coisa ocorrida muitos anos atrás, como por exemplo a ação da parte dos marqueteiros inescrupulosos que apostaram em slogans infames como: “I Hate Pink Floyd”… pois avacalhar o estilo era mais fácil do que optar por estudar por anos a fio, para fazer parte dessa cena, mas, enfim, não dá para voltar em 1977, infelizmente, para mudar o que aconteceu ali, em termos de vilipêndio ao gênero…
Sob múltiplas e ótimas influências advindas da parte de artistas clássicos dessa escola, esse ótimo quarteto progressivo apresenta um som coeso, muito bem engendrado harmônica; rítmica e melodicamente, além de mostrar inspiração nas composições e um trabalho muito bom nos arranjos, sem deixar de mencionar um áudio excepcional, com valorização total de timbres vintage, um verdadeiro oásis para os apreciadores dessa escola sofisticada e exigente por natureza.
Através do CD “Simbiose”, o Arcpelago apresenta seis canções muito interessantes, algumas inclusive com longa duração, uma marca registrada do Rock Progressivo tradicional, isto é, com o claro uso do recurso das suítes, típico elemento herdado da música erudita, onde a construção de uma peça complexa é permeada por diversas partes, mas a comunicar-se entre si e a manter um elo primordial como ponto de referência. E até faixas bem curtas, bem próximas da Folk Music.
Adorei a base da guitarra, com muita energia e os detalhes com outros teclados são muito inspiradores. O timbre do baixo é absolutamente matador. Um Rickenbacker, modelo 4001, nas mãos de um baixista de alto quilate (Jorge Carvalho) e sob a preocupação em timbrar como antigamente, faz toda a diferença. Lembrou-me o trabalho de diversas bandas europeias setentistas incríveis que eu tenho certeza de que os rapazes também gostam, mas não vou enumerá-las aqui, pois a minha idiossincrasia não importa neste momento e o que interessa-me neste caso é enaltecer a sonoridade do Arcpelago.
Gostei muito do solo fantasmagórico feito através do sintetizador, Mini Moog (o ótimo tecladista, Ronaldo Rodrigues, é o piloto das teclas dessa banda) e também o solo de guitarra, belíssimo, ao final da canção (Eduardo Marcolino é o guitarrista neste disco, mas nos dias atuais a guitarra da banda é comandada por Diogo Aratanha), em momento de desdobrada rítmica, providencial pela beleza.
É ótimo o trabalho do baterista (Renato Navega), com técnica e muita criatividade em seus desenhos rítmicos e muito bom gosto nas sutilezas empreendidas sobre as campanas dos pratos. A parte cantada é pequena, mas muito bonita a evocar quase uma inspiração sutil pelo canto gregoriano. A letra é bem típica das preocupações de um letrista Progger padrão, ou seja, a expressar busca pela reflexão existencial mais profunda, a destoar completamente do horror popularesco que ouve-se através da mídia mainstream da atualidade, portanto, como é bom saber que há vida inteligente ainda, neste planeta.
A terceira faixa, “Ebulição dos Tempos”, começa com um riff forte, auxiliado por acentos marcantes. Gostei bastante do solo de guitarra, com timbre encorpado e a bela melodia proposta pelo Mini Moog. E mais uma vez a linha de baixo e bateria mostrou virtuosismo e uma sincronicidade perfeita. Sobre a letra, busca-se novamente o tom da seriedade como seu norte. Gostei da frase:
“Almas vazias choram a Liberdade / Lágrimas aflitas banham a ocisão / E afogam entre as vistas a regeneração”
“Universos Paralelos” é uma faixa curta, com delicioso sabor Folk Rock. Lembra muito o trabalho de bandas europeias marcantes da década de setenta, mas também de brasileiras similares. É belíssimo o violão conduzido ao estilo “batido” e também a melodia central conduzida pela guitarra. Já a mencionar o trabalho do Mellotron, este é emocionante. Só quem viveu a década de setenta com intensidade sabe o quanto o timbre desse instrumento é marcante ao extremo. É difícil achar tal teclado original, disponível hoje em dia e acredito que o Ronaldo usou um simulador, mas o timbre ficou muito fidedigno, uma beleza.
Sobre a capa do álbum, a ilustração é simples em seus traços a mostrar uma arte subjetiva. Sugere a presença dos quatro componentes da banda, unidos em uma espécie de mônada, ou seja, algo bem sutil e tudo sob cores leves, em tom pastel. Toda a concepção do design gráfico da capa e encarte, foi obra de Fernanda Pio. Com fotos da banda, individuais e coletiva, por Patrícia Soransso e Vítor Granja. O álbum foi gravado entre dezembro de 2014 e setembro de 2015. Gravação e mixagem sob a responsabilidade de Eduardo Magliano e masterização por Pedro Garcia.
Eis o álbum “Simbiose”, na íntegra para o leitor degustar o trabalho do Arcpelago:
https://www.youtube.com/watch?v=3bXttgcMGpo
Formação do Arcpelago neste álbum:
Eduardo Marcolino: Guitarra e Violão
Jorge Carvalho: Baixo
Renato Navega: Bateria
Ronaldo Rodrigues: Teclados e Voz
Na atualidade de 2018, o guitarrista titular da banda é Diogo Aratanha.
Para conhecer melhor o trabalho da banda, acesse:
Canal do You Tube: http://www.youtube.com/arcpelago
Página do Facebook: https://www.facebook.com/pg/arcpelago/about/?ref=page_internal
Contato direto com a banda: @arcpelago
Para encerrar, eu nunca acreditei nos argumentos falaciosos que embasaram o vilipêndio covarde que o Rock Progressivo recebeu ao final dos anos setenta e por conta de tal convicção não abalada, continuei firme e forte a apreciar essa escola, com muita ênfase, portanto, é com alegria que vejo, após quatro décadas decorridas da deflagração da ogiva nuclear por parte de seus detratores, que o gênero sobreviveu e dá mostras de revitalização. Dessa forma, saúdo o trabalho do Arcpelago e desejo-lhe uma longa carreira, com mais trabalhos tão bem feitos ou ainda melhores que este CD, “Simbiose”, que é muito bom, a surgir no futuro.