Por Luiz Domingues
Eis que eu fico a saber que o excelente guitarrista, cantor e compositor, Chico Suman, preparava a produção de um trabalho solo, autoral. O álbum mal começara a ser preparado e eu já deduzi que seria ótimo.
Além de ser também um cantor com muita qualidade, Chico Suman igualmente compõe muito bem e por ser um aficionado da poesia Folk de Bob Dylan e congêneres, Chico gosta de caprichar nas letras que escreve. E para completar, é claro que cercar-se-ia de uma turma de músicos da melhor qualidade para acompanhá-lo, muitos dos quais eu conheço muito bem e sei da sua genialidade ímpar.
Para início de conversa, Chico Suman é um raro artista no panorama do Rock brasileiro (refiro-me à atualidade de final da década dez, do século XXI), que professa um compromisso verdadeiro, umbilical e sem nenhum receio, com as mais belas tradições do Rock, Blues, da Black Music em geral e do Folk-Country Rock e sem que isso seja necessariamente uma bandeira desfraldada em torno de um acintoso resgate vintage, retrô ou a estabelecer uma ponte proposital com o passado, mas simplesmente, por Chico viver intensamente essa realidade em sua expressão artística, de uma maneira absolutamente natural, ao revelar-se alheio ao que demarcaria uma opção confessa em prol do passado.
Na verdade, ele simplesmente vibra por tais moléculas e, nesse sentido, pouco importa em que época atue, pois a sua verdade é essa e ponto final. Dessa maneira, não vejo melhor forma em atuar, do que ser atemporal e acaso o seu trabalho soe como algo que remeta aos anos cinquenta a setenta da década anterior, é melhor pensar que isso não importa pelo ponto de vista do “hype”, como raciocinam os críticos obtusos e/ou mal intencionados, sempre obcecados em decretar o que entra e sai da moda, mas muito pelo contrário, queiram admitir ou não, foi nesse espectro da história, onde criou-se uma excelência artística inquestionável e, se Chico bebe dessa fonte, revela mais que um bom gosto pessoal, porém, acima de tudo, que possui uma base sólida, indestrutível.
Sobre as canções em específico, o álbum inicia-se com: “Morning Sunshine”, sob uma atmosfera Country Rock muito alvissareira. Ouvir tal canção, é como viajar dentro de uma Pick up, em um manhã ensolarada a trafegar de Minessota para Ohio, digamos assim. Gostei muito da pureza dos timbres dos instrumentos, principalmente na bateria, a soar com seu som natural, sem muito processamento, principalmente no tocante ao exagero do reverber, ato falho comum para nove entre dez técnicos de áudio em estúdio. Noto a presença do orgão Hammond, com pontuais desenhos bem agradáveis e dois solos de guitarra com timbres diferenciados e muito bonitos, ambos. Tem violão bem tocado e uma linha de baixo agradável. Apreciei o refrão com um sentido sob contraponto no backing vocals, que me lembrou bastante o trabalho do “Lovin Spoonful”. A letra reforça a ideia do espírito livre, que a música evoca:
“Let my hair blow free / let my spirit guide me”…
A segunda faixa, apresenta: “Livin’ Alone”, a embalar um Folk-Rock muito melódico. É muito bom ouvir o som da gaita, com a vassourinha a desenhar na caixa da bateria, os belos desenhos de guitarra a propor contra-solos emotivos, violão batido, órgão Hammond a harmonizar e, ao seu final, até o cântico de pássaros para fechar a canção. É como ouvir um bom disco de Bob Dylan e lembrar que o Rock tinha e precisa voltar a ter poesia, também.
“Time has come to be alone / Dissapear like a rolling stone / sadness is eating up my heart”…
“Band of Brothers” vai fundo no Blues-Rock, com muito vigor. Solos e contra-solos de guitarra são excelentes e a banda faz uma base poderosa, com bateria, baixo, e órgão Hammond, sob forte pegada. Certas partes faladas a esmo, são bem sessentistas, a garantir uma boa dose de loucura, que é sempre essencial. Uma interessante passagem da letra, despertou a minha atenção:
“When I first started playing the blues / more than 15 years ago / never tried to make any money / ‘cause that’s something I don’t know / just tried to bring some happy hours / when my friends come home home from work”…
Pois é… música que vem do coração não é produto para vender na gôndola do supermercado, mas algo verdadeiro, ou seja, um fator observado fartamente por quem militou na senda artística musical daquelas décadas de ouro na música, e certamente que Chico Suman faz parte dessa estirpe, por falar a mesma linguagem.
“A Small Part of You” é um Slow Blues dos mais inspirados que tenho escutado nos últimos tempos. Tem uma carga emocional fortíssima, envolta em sutilezas múltiplas a conferir-lhe uma beleza incrível. Ao ouvir tal melodia linda, amalgamada por uma bela poesia, é impossível não lembrar-me que um dia tivemos a “The Band”, a atuar neste planeta e certamente que o mundo foi muito melhor enquanto ela esteve a brindar-nos com a sua plena magnitude artística. A mencionar o arranjo em si, tudo soa muito belo. Teclados, “cozinha” (baixo e bateria) espetacular, e um trabalho de guitarras, magnífico. São arpejos e desenhos pontuais (clap guitar, sensacional, no melhor estilo de Steven Cropper), a marcar de forma indelével a base e com solos para arrepiar.
O trabalho vocal destaca-se muito nessa faixa, igualmente. Trata-se de uma interpretação muito emocionante, cuja
“You gave me your view about this world while all of your friends / were watching you eyes wide open so you wouldn’t cry again”…
Em resumo, trata-se de uma canção fortíssima, e memorável.
A quinta faixa: “Keep the Light on“, investe no balanço, com um sentido mais próximo do R’n’B. Tem um riff muito bom e a banda imprime um balanço forte, para fazer o ouvinte levantar de sua confortável poltrona e balançar-se. Gostei muito das palmas, um recurso pouco usado nos dias atuais, mas que é funcional ao extremo para gerar uma interação contagiante com os ouvintes. A canção contém peso, com aquela pegada Rocker. E há também, uma chave para revelar a ideia que norteia o título do álbum, quando Chico diz:
“Hey brother! / Don’t pay your troubles no mind, because / Death and life walk together”
A canção seguinte, é na verdade um mantra, literalmente. “Ganges”, investe na sonoridade da Índia, mas sob aquela estimulante roupagem ocidental e sessentista, quando o Rock mergulhou em suas águas sagradas e escreveu uma das páginas mais belas de sua história (grato, Mahatma Harrison, jai jai!).
Sob uma batida tribal, a cítara canta solta, e em certos momentos lembrou-me o trabalho do grupo de Rock britânico, “Kula Shaker” que tentou fazer esse religare nos anos noventa e embora a raiz cultural fosse outra, também lembrou-me o trabalho do Aphrodite’s Child em “Babylon” (essa banda era grega e sessenta-setentista). Adorável a menção ao recurso do solo de guitarra em estilo “backwards”, outra marca típica dos anos sessenta. E o mantra entoado dispensa maiores explicações:
“Namah Parvati pathaye / Hare Hara Shankara Mahadev / Hare Hare Hare Mahadev / Hare Hare Hare Mahadev / Namah Parvati pathaye / Hare hare mahadev / Namah Parvati pathaye”…
“Capricorn” é um tema instrumental e muito belo. Brilha muito o baixo, com um solo espetacular e que busca o sentido melódico, sobretudo. Gostei muito da harmonia e da melodia central, proposta pela guitarra, que contém uma beleza muito grande. A base com a presença do órgão Hammond, empolga por não nos deixar respirar, mediante a ação contínua da caixa Leslie, ao espalhar-se aos quatro ventos, pela sua ventoinha. É muito bonita também a presença de um violão batido, com lindo timbre e várias camadas de guitarras a desenhar por todos os lados do pan do estéreo. Se o leitor ouvir essa canção com fone de ouvido, há de apreciar tais detalhes meticulosos.
Há, paralelamente, muitos estímulos sutis nessa canção, proporcionados por todos os instrumentos que constam em sua constituição. É uma canção muito bem arranjada e tudo sob belos timbres. Inclusive ao conter um solo em duo, que abre vozes para as guitarras. A canção termina com um enigmático efeito ao teclado, a sugerir a presença de uma ventania, a levar tudo embora e, de fato, a vida e a morte são manifestações do mesmo sopro vital que traz e leva… leva e traz…
Gostei dessa parte da letra:
“Don’t be afraid to fall on / The moment you’ve been waiting for / The future in a minute will be gone / Take pictures of your new life / Grow stronger from the inside / our love will live forever in this song”…
A respeito da capa, “Death and Life” investiu na sobriedade. O artista com a sua guitarra sobre um fundo bege e nada mais. No encarte e na contracapa, mantém o conceito, com fotos do mesmo ambiente a lembrar uma ambientação urbana mas bem rústica, com a porta de uma residência antiga, bem do início do século passado e além do artista, há uma foto com dois gatos a observar a paisagem.
O encarte tem uma explicação do trabalho, assinada pelo próprio, Chico Suman, em pessoa, mas sob uma forma bem poética, quase a caracterizar um manifesto de sua parte. Além de conter as letras das canções e uma boa ficha técnica.
A opção por cantar no idioma inglês tem tudo a ver com as influências que calam mais forte na construção da personalidade artística de Chico Suman, e, nesse sentido, não cabe questionamentos sobre estratégias de marketing, adotadas por ele.
Um promo com a música “Capricorn”, disponível no You Tube:
https://www.youtube.com/watch?v=U6sehnmgCGs
Death and Life – Chico Suman
Gravado no Estúdio Gallo de São Paulo
Técnico de Som e mixagem: Bruno Mulinario
Assistente de áudio: Sidiney Souza
Assistência de Luthieria: Ivan Pieri
Arte de capa / lay-out: Geraldo Bezerra
Fotos: Gabriela Piragibe
Luis Domingues é músico e escritor.