por Luiz Domingues
Quem me conhece bem, sabe que a minha trajetória musical nem sempre permeou-se pelo som que eu realmente desejei fazer. Porém, sem divagações, apenas abro esse preâmbulo para esclarecer que eu comecei minha carreira em 1976, portanto, no início de um declínio acentuado para a estética artística que gostava e, daí, atravessei os anos 1980 e 1990 a realizar o melhor que podia, entretanto a viver em meio a estéticas antagônicas e, de certa forma, hostis às que realmente amo.
Em 1997, resolvi dar uma guinada na carreira e fundei uma banda 100% calcada na estética 1960-1970 e fui atrás do meu sonho, mesmo cônscio de que seria um trabalho anacrônico e a ser combatido em muitos círculos. Desse esforço, essa banda culminou em fundir-se à outra que já mantinha um nome solidificado na história do rock brasileiro e, com esse material retrô, apresentando muita qualidade, gravamos cinco discos e fizemos inúmeros shows.

Ao excursionarmos pelo interior de São Paulo e pelos três estados do Sul, principalmente, tivemos contatos com jovens que se encantavam por essa estética resgatada. Foram ecos concretos a ligar-nos aos ventos “woodstockeanos”, alimentados por jovens que nasceram muitos anos depois dessa Era Aquariana do Rock. Nesses termos, conhecemos jovens músicos e, muitas vezes, tivemos o prazer em tê-los em nossos shows abertos por bandas jovens, dessa característica. Entre tantas (muito boas, inclusive), conhecemos uma que era oriunda de São José Rio Preto/SP, em 2001, que abriu o nosso show em Mirassol/SP, uma cidade vizinha, e chamava-se: Hare.
Lembro-me em ter ficado muito impressionado com esse trio, que apresentava um som bastante influenciado por power-trios clássicos, tais como: Cream; West, Bruce and Laing; Jimi Hendrix Experience, entre outros.
Mediante um visual fortemente coadunado com as tradições rockers sessenta/setentistas, esses rapazes vibravam nessa egrégora, e eu fiquei muito contente por conhecê-los e também em tornar-me amigo, principalmente do baterista, Junior Muelas.
Todavia, os ventos não sopraram favoravelmente e a banda não teve a continuidade que esperávamos. Já passava da metade da década inicial do novo século e o Junior Muelas contou-me que estava com um novo projeto. Seria uma banda a apresentar uma formação maior, com uma abrangência sonora em torno de um horizonte mais largo, ao envolver também a psicodelia sessentista e a flertar com o rock progressivo.
Batizada como A Estação da Luz, mergulhava fundo no sonho hippie perdido, a evocar sonoridades e estética visual/comportamental, fidedigna à época que os influenciava.
Para os vocais, Muelas recrutou um casal. Renata Ortunho e Fernando Martins comandariam as vozes, fora os demais que contribuiriam (e bem) com os backing vocais.
Lembro-me de Muelas a dizer-me que, mediante tal dupla de cantores, tinham em mãos um verdadeiro Jefferson Airplane, ao estabelecer uma alusão à presença de Grace Slick e Marty Balin, o casal de vocalistas dessa grande banda psicodélica norte-americana. Algum tempo depois, fiquei sabendo que já estavam a gravar uma primeira demo-tape e, logo a seguir, saiu o seu primeiro videoclipe oficial.
Os primeiros registros
Fiquei encantado com a estética que simulava os antigos promos do programa germânico Beat Club, com a banda a tocar e no Chroma Key, a presença de cores ultra psicodélicas. Tratou-se da música “Par Perfeito”, que trouxe a influência clara dos Beatles, Mutantes, Jefferson Airplane, Iron Butterfly e outras referências sessentistas adoráveis. A banda passou por uma reformulação a seguir. Saiu o baixista Sandro Delgado e ele foi substituído por Vagner Siqueira (ex-Freak). Vagner é um excepcional baixista e encaixou-se como uma luva na banda.
Saíram também o vocalista Fernando Martins e o percussionista Daniel Verlotta e, dessa forma, a banda optou por não substituí-los, ao tornar-se, doravante, um quinteto. Mais enxuta, não perdeu qualidade, de forma alguma, pois Renata Ortunho garantiu-se como frontwoman, e a rapaziada segurou a incumbência dos backing vocais com muito valor.
Shows e mais shows pelo interior de São Paulo, Minas Gerais e Paraná sedimentou a banda. Contudo, um dos seus grandes momentos aconteceu em Santa Catarina, onde fizeram enorme sucesso no Festival Psicodália.
O grande público mainstream talvez não saiba, mas esse festival anual reúne no interior de Santa Catarina um enorme público formado por jovens sedentos por som 1960-1970 e muitas bandas dessas características apresentam-se lá, perante até quinze mil neo-hippies, a evocar Woodstock em pleno século XXI.
Estação da Luz: o disco
Em 2012, finalmente saiu o primeiro CD oficial da banda. Com o apoio do selo carioca, Som Interior (da gravadora Renaissance, orientado pelo farejador de talentos, Claudio Fonzi), o disco pode ser adquirido nos shows da banda, em seu site e em lojas especializadas do circuito São Paulo-Rio, principalmente.
Com capa muito caprichada e qualidade sonora muito boa, “A Estação da Luz” apresenta nove faixas sob muita inspiração, com absoluta fidedignidade no tocante aos timbres vintage; arranjos elaborados; harmonias vocais sofisticadas e performance instrumental de cada membro, excelente.
Logo na primeira faixa, a banda demonstra ter influências muito nobres. É claro na música “Desconforto”, a influência do Som Imaginário, Som Nosso de Cada Dia e Mutantes. A condução do piano elétrico de Sabella é magnífica. Os vocais ultrassessentistas lembram Marcos Valle em sua fase soul e o solo de Christiano Carvalho, apesar de curto, é de rasgar o verbo.
A terceira faixa, “Siga o Sol”, é bem setentista. Tem uma nítida influência do trabalho dos Mutantes na sua fase Prog-Rock, além de O Terço; A Bolha, etc. A linha de baixo de Vagner Siqueira chama a atenção pela sua beleza, além da vocalização de Renata Ortunho. Gosto muito do caráter quase mantra, em um looping hipnótico, sob o som do órgão Hammond, a lembrar o Pink Floyd.
“Desespero” fala sobre desencontros sentimentais, envolta sob uma harmonia belíssima, cujo teor mostra-se melancólico. O peso dos teclados exerce uma dramaticidade que me lembra muito o estilo do Ken Hensley e o slide mesclado ao wah-wah, que Carvalho criou. Ficou incrível!
“Esperto ao Contrário”, certamente tem influência dos Mutantes. Com clima de vaudeville, é cantada por Sabella em sua parte “A”. Os teclados passeiam por timbres dignos do som de Billy Preston e a condução de Muelas à bateria, é sensacional.
A sexta faixa, “Tempo Estranho”, é uma verdadeira ode ao rock brasileiro dos anos 1960 e 1970. A letra da música é toda costurada para enumerar o nome de várias bandas dessas décadas e a sonoridade, além de trazer a influência óbvia dos Mutantes, tem bastante do “Clube da Esquina”, também. Gosto muito da participação do Carvalho, com dedilhados limpos, mesclados ao uso de caixa Leslie em outros momentos.
“Reta Tangente” é mais uma bonita balada com sabor sessentista. É como pegar um disco antigo da Gal Costa e suspirar ao constatar como ela era legal; total; fatal…
O solo de Carvalho lembra George Harrison em seus melhores momentos, além do órgão Hammond dar um peso incrível à canção, em seu momento mais agudo.
“Canção para um amigo”, apresenta uma melodia muito elaborada, sob a ação de um piano elétrico lúgubre, ao estilo do Led Zeppelin em “No Quarter”. Timbres de moog e theremin trazem elementos psicodélicos muito interessantes e, na parte mais pesada da música, a harmonia lembrou-me o Procol Harum, incluso o ótimo uso de clavinete, na parte final.
Encerra o disco a ótima “Par Perfeito”. Com um mellotron que lembra bastante os Beatles em “Strawberry Fields Forever”, a música parece ser uma balada, mas logo a seguir seu ritmo muda, e com muita vibração, a banda entra em uma jam, com destaque para a cozinha espetacular de Muelas e Siqueira. O refrão pesado, que lembra o Deep Purple em seus melhores momentos, cresce e emociona. Ao observar o vídeo dessa música no You Tube, percebi a presença de vários comentários efusivos, e um que se não foi irônico, talvez tenha sido infeliz em sua formulação. O sujeito dizia algo do tipo : -“faltou o Lennon, mas não era mesmo Strawberry Fields Forever”…
Ao aproveitar o mesmo gancho, a proposta d’A Estação da Luz é ser mesmo uma banda retrô, sem preocupações com os modismos do mainstream. Se por um lado é uma aposta arriscadíssima e a revelar-se como um “haraquiri” mercadológico, por outro, eu vejo com extrema simpatia que exista uma banda dessas no panorama artístico, pois o que se vê no mainstream é tenebroso e, anacronismo à parte, o pessoal d’A Estação da Luz dá um show de musicalidade, inspiração, execução e nos timbres em que investem, ao passar como um rolo compressor sobre qualquer banda moderninha, dessas que a crítica adora “hypar”.
Recomendo a audição deste trabalho e certamente assisti-los ao vivo, pois a competência da turma é de 100%.
Para conhecer melhor o trabalho d’A Estação da Luz, visite o site oficial da banda:
http://www.aestacaodaluz.com.br/
Página da banda no Facebook :
https://www.facebook.com/A-Esta%C3%A7%C3%A3o-da-Luz-151771108176177/
Disco disponível em várias plataformas digitais : Spotify; Deezer; Claro Música; Apple; Onerpm etc
Luiz Domingues é músico e escritor.
Clique AQUI para conhecer o seu trabalho.