Os Subterrâneos / EP Subterrâneos

Por Luiz Domingues

Em 2017, eis que nos confins da zona leste de São Paulo, uma turma jovem, ultra dinâmica e entusiasmada, vai à contramão  do mainstream  e produz uma música profundamente influenciada pelos anos 1960, e assim a resgatar inúmeros aspectos revolucionários daquela década memorável. É uma turma ótima que produz shows, festivais, não quer nem saber de crise e sem “frescuras”, produz o seu agito contracultural onde houver espaço, e nem se importa se não houver infraestrutura adequada, por que se não existir, eles se mobilizam e fazem acontecer. 

Só por agir com tal mentalidade, já merecem todo o enaltecimento, mas não fica só nessa boa vontade extrema, pois se trata de um celeiro de artistas talentosos, que tem o que dizer, portanto, agregue-se tal valor. E entre esses rapazes obstinados, muitos tem duas, três ou mais bandas mantidas em simultaneidade, e todos os amigos dessa fraternidade interagem, nem que seja em participações de uns nos discos dos outros.

Quero tratar de mais uma banda dessa cena (já abordei o Capitão Bourbon, anteriormente), desta feita chamada: “Os Subterrâneos”

Grupo de Rock profundamente influenciado por bandas de garagem dos anos sessenta, não necessariamente famosas e daí, realça-se a extrema originalidade dessa banda em buscar sonoridades perdidas no tempo e no espaço, sendo que, em realidade, tal estética jamais poderia ter sido obscurecida, nem mesmo pela ação do tempo. Contudo, muita coisa aconteceu na história do Rock e até o vilipêndio usado como arma, em forma de ação de marketing, tratou de obscurecer tal corrente histórica e, agora, uma banda como “Os Subterrâneos” cumpre o seu trabalho arqueológico e, ao mesmo tempo, mágico em reatar o fio-da-meada perdido, ou seja, o efeito “religare” no Rock, um fato que Rockers genuínos aos quais me incluo, sonham em ver acontecer, há décadas.

Os Subterrâneos têm em sua formação, como quarteto, os seguintes membros: Eduardo Osmedio (Guitarra e Voz); Ronnie Pedroso (Órgão/Gaita/Guitarra e Voz), Guilherme Torquato (Baixo) e Rogério Antônio (Bateria e Voz). 

O seu EP, homônimo, foi lançado em 2017, a conter quatro faixas. A sonoridade da banda, como áudio, soa bastante rústica, ao assemelhar-se a um padrão de bootleg concebido em poucos canais, sob a égide do mundo antigo das gravações (leia-se analógico), e isso é sensacional enquanto fidedignidade às influências que eles seguem, com dedicação. Até a foto da banda na capa do álbum, com os rapazes trajados como se estivessem em 1966, em meio ao “fog” de Londres, é incrível. E fica ainda mais interessante se considerarmos serem paulistanos da zona leste e que lançaram o trabalho em 2017!

Sobre as quatro faixas, ouvi-las no headphone é um mergulho direto aos anos sessenta, uma autêntica viagem no Túnel do Tempo, quiçá na companhia de Anthony Newman e Douglas Phillips, absorto em cambalhotas num Kaleidoscópio psicodélico e muito louco e com as bênçãos de Irwin Allen.

A primeira faixa, “Ruas de Soweto”, contém um som de órgão bastante hipnótico. É aquele timbre agudo e maravilhoso desses teclados tipicamente sessentistas como os órgãos das marcas, Voz e Farfisa, inigualáveis pelas suas respectivas características no tocante aos timbres. 

Gostei muito dos backing vocals ao fundo, quase sombrios, a repetir frases proferidas pela voz principal e a lembrar muito o som de diversos artistas egressos da Jovem Guarda e estes, por sua vez, que beberam forte no Pop francês e italiano, principalmente, naquela década. É ótima uma parte desdobrada em compasso 3/4, a insinuar uma valsa lisérgica. Gostei também do solo de guitarra e o timbre do baixo, quase sem o uso do “sustain”, com aquele timbre anasalado, também muito usado naquela época.

“Borboleta Branca” é a segunda canção e apresenta-se com forte orientação do Acid Rock sessentista. Nessa faixa, um músico convidado tocou guitarra, Jun Santos. A letra investe forte na loucura psicodélica, por buscar imagens surreais. Eis um trecho: “Era uma borboleta voando mais branca que a neve / sobrevoava o jardim colorido a procura das tulipas negras”…

A terceira faixa, “Dia Lindo”, detém em sua parte inicial, uma divisão rítmica fragmentada, sob compasso 2/4, muito interessante. Convenções duras ocorrem em diversos trechos a oferecer um peso incrível. Tem muito do som da pouco conhecida banda sessentista norte-americana, “The Music Machine” (aliás, uma influência confessa dos rapazes). 

Gostei do solo de guitarra executado pelo artista convidado, Uly Nogueira, outro músico com forte participação nessa cena, por tocar em várias bandas irmãs dessa mesma cena e também a produzir e ofertar apoio como ilustrador de capas de discos e cartazes de shows a evocar a psicodelia sessentista, sendo um artista com talento individual impressionante. E, não obstante, ser um baterista ótimo em outras bandas, aqui contribuiu com um belo solo de guitarra ao pisar no pedal “Fuzz”, sem parcimônia.

“Jardim Psicodélico” fecha o EP e eu não pude deixar de enxergar o “Iron Butterfly” a flutuar fortemente como influência ótima para os rapazes. Trata-se de uma viagem psicodélica, uma autêntica “good trip”. Ouvir essa faixa de olhos fechados pode levá-lo diretamente aos bastidores do Auditório Fillmore West, em algum momento de 1967, quando em meio a tal epifania, a vontade de não voltar para a realidade do século XXI em curso, será imensa, tenha essa certeza. 

Gostei muito da condução da bateria, a evoluir com bastante criatividade nos tambores, e também do solo de guitarra, muito bonito. A letra investiu forte no surrealismo explícito, na melhor tradição dos ditos, lindos sonhos delirantes: “Acordei, mas ainda estava a sonhar / encontrei o jardim psicodélico dos sonhos meus”…

O disco foi gravado no estúdio Corações de Pedra”, em São Paulo. Jonas Morbach foi o técnico da captura de gravação e mixagem & masterização. Foto e arte da capa a cargo de Fernanda Heitzman (é um ótimo trabalho  da parte dela, por sinal).

Os rapazes inclusive gostavam de fazer uma alusão ao seriado de TV, “Lost”, bem popular no início dos anos 2000, ao se referirem à zona leste de São Paulo, como “Zona Lost”, ou seja, um trocadilho engraçado e cheio de significados implícitos, inclusive com teor social, ao darem a entender que a Zona Leste é quase sempre esquecida pelo poder público, ou seja, mais um ponto positivo para esses artistas e ativistas culturais.

Mas creio que esses artistas, na verdade, não perderam nada, mas, ao contrário, acharam um caminho muito interessante a resgatar as raízes remotas do Rock, ou seja, registraram um trabalho notável, nessa prospecção.

Recomendo o bom trabalho d’Os Subterrâneos, tanto a acompanhá-los ao vivo, aonde quer que estejam, quanto pela audição de seu EP, aqui analisado. E venham mais trabalhos nessas características. E viva a psicodelia sessentista!

Escute o álbum na íntegra, através do link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=CGM15yIrH24

 

 

Para saber mais informações sobre a banda, acesse sua página na Rede Social Facebook:

https://www.facebook.com/OsSubterraneos/?ref=page_internal

 


Luiz Domingues é músico e escritor.

 

 

 

 

 

 

 

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