CD Flying Chair / Flying Chair

Por Luiz Domingues

Eis que sob uma feliz combinação de fatos correlatos, surgiu no horizonte do Rock Brasileiro, mais uma banda com energia para dar e vender, a contrastar com a falta de oportunidades absoluta com a qual o gênero vinha a enfrentar em termos de projeção mainstream, há anos. Claro que mais um soldado a reforçar o nosso combalido exército, veio a calhar e ainda mais com essa vontade toda que chegou a demonstrar para a cena. E qual seria a tal combinação citada logo no começo desta resenha? 

Bem, trata-se do encontro do compositor, cantor & poeta, Ciro Pessoa, com a dupla de guitarristas da ótima banda, “8080”, ou seja, Chico Marques e Claudio “Moco” Costa, que se uniram em torno de um novo projeto e a toque de caixa, rapidamente, lançaram um EP prévio ao final de 2016, e, a posteriori, anunciaram o lançamento de um CD completo, a tratar-se do seu debut oficial discográfico.

Batizada como: “Flying Chair”, só por ter em suas fileiras tais componentes, e pelo próprio título da banda, a sugerir uma espécie de lisergia Rocker perdida no tempo e no espaço, já seria um alento para nós que amargamos décadas de obscurantismo no gênero, mas a boa nova é que não fica apenas pela esperança, mas tudo confirmara-se quando, através de uma audição do álbum, ficou patente que eu estava diante de uma banda com trabalho forte, ao mostrar um intenso vigor criativo e, sobretudo, compromissado com o Rock’n’ Roll, isso expresso no seu sentido mais amplo, naturalmente.

Ciro Pessoa é um poeta fortemente influenciado pela psicodelia sessentista e também pelo surrealismo em linhas gerais. O seu trabalho em bandas por onde passou mostra-nos isso claramente e ainda que nos Titãs e com o Cabine C, a sua loucura natural esbarrasse em signos oitentistas do movimento Pós-Punk, desolador por natureza, ainda assim, a sua verve lisérgica vinda diretamente dos anos sessenta nunca o abandonou. 

E já no avançar sobre sua carreira solo, isso explodiu em seus álbuns solo, ao lado de sua banda de apoio, o “Nu Descendo a Escada” (alusão ao trabalho do artista plástico, Marcel Duchamp), onde decretou aos quatro ventos que “o futuro é Pink Floyd”, ou a trocar em miúdos, a representar um soco no estômago dos detratores de plantão (“I Hate Pink Floyd”… tsc tsc tsc…). 

Todavia, no “Flying Chair”, a sua proposta ficou diferente. Mais objetivo, Ciro partiu para uma linha de letras mais coloquiais, praticamente cartesianas, ao deixar de lado o surrealismo explícito de seus trabalhos concretizados em sua carreira solo. Em alguns momentos, chega a ser tão direto em seus recados, que tenho certeza de que surpreendeu seus fãs mais antigos, acostumados com o seu texto psicodélico, mais usual. Porém, em algumas faixas, há lampejos da loucura surreal, sim, portanto, em termos de texto, o disco certamente há de agradar diferentes freguesias. 

Sobre a parte musical, predomina o Pop Rock, mas com mais condimentos, que o trabalho anterior dos guitarristas Chico & Claudio, o “8080”. Mais apimentado, soa mais Rock’n’ Roll sem dúvida alguma e como já mencionei quando falei sobre as letras, também contém bons momentos a passear por gotículas psicodélicas e até a conter certos esbarrões no Rock Progressivo, ou seja, só há coisa boa nessa obra.

Se o Ciro contribuiu com a sua poesia inspirada, Chico & Claudio trouxeram uma combinação muito bem azeitada de guitarras. São amigos de longa data (antes do “8080”, eles já haviam tocado juntos em outras circunstâncias), e esse entrosamento de ambos, traz uma riqueza sonora à banda, muito significativa.

Não apenas pelo trabalho bem engendrado das guitarras, mas também por conta dos vocais que ambos já estavam habituados a fazer e somados ao Ciro como vocalista principal (e apoio dos demais componentes), tal trabalho bem planejado com backing vocals é muito interessante ao longo de todas as faixas. 

E por falar em demais componentes, Diego Basanelli (baixo) e Pedro Leo (bateria), também são bem entrosados, pois tocavam juntos há muitos anos, portanto, quando uniram-se aos demais, naturalmente somaram muito com uma cozinha de alto padrão e apoio vocal. 

Nesse aspecto, apesar de ser uma banda nova e formada muito rapidamente, diante de tais fatores já explicados, configurou-se assim a tal feliz combinação a que aludi logo no início da resenha e assim… bingo (!), temos mais uma banda de categoria a reforçar os nossos planos para levar o Rock para um patamar superior. Em termos de capa, o álbum é funcional, ao exibir o logotipo da banda em letra “bolha”, tipicamente sessentista, isto é, um ponto positivo a mais para animarmo-nos. Sobre as faixas, tenho mais algumas observações a fazer.

Faixa a faixa

“Calendário” é a primeira canção do disco e já impressiona pela bela disposição de guitarras sobrepostas no pan do stereo. Há de destacar-se que, além de exímio guitarrista, Claudio Costa é um experiente e muito competente técnico de som, já tendo produzido muitos discos, portanto, requinte na gravação foi mais um trunfo que essa banda teve para somar. 

Além disso, gostei muito da firmeza do baixo e da bateria; ótimos backing vocals e uma discreta atuação de órgão Hammond a cimentar o asfalto para a banda deslizar. Chamou-me a atenção também um staccato com muita intensidade em um momento climático da música e algumas frases desenhadas como contra-solo da guitarra, que me remeteu à Surf Music do final dos anos cinquenta, alguma coisa como o grande Link Wray faria com certeza e claro que ficou bem interessante.

Sobre a letra, Ciro diz coisas como:  “Ela está contando os dias no seu calendário… / Nas pontas de seus dedos magros”. É praticamente uma crônica com certo ar de crítica comportamental, mas, poeticamente a falar, é bem bonito.

A faixa seguinte, “Relâmpago na Escuridão”, é um Power Rock, bastante energético. A banda soa muito coesa e não deixa a energia cair nem por um segundo sequer. Gostei muito dessa intensidade e dos muitos detalhes no arranjo, com destaque para o slide guitar, bem inspirado. Solo extremamente bonito, igualmente, e na letra, Ciro solta o verbo, a propor um quase manifesto contra a instituição do casamento. É praticamente uma antítese ao que a Wanderléa dizia em 1966, ou seja, ela que não suportava a ideia de seu amado estar a casar-se com outra garota, denotava sonhar com o matrimônio, mas agora, 2017, Ciro execra-o sem parcimônia. Bem, os tempos mudaram e, de fato, assinar compromisso amoroso no cartório já não faz nenhum sentido na sociedade atual, a não ser pela dor de cabeça gerada pela burocracia inerente e inevitável em ter que desfazer-se tudo logo a seguir…

A terceira faixa, chama-se: “Um Só Diamante”. Gostei bastante do início do vocal com ares onomatopaicos. O trabalho de guitarras a usar o efeito do Wah-wah ficou excelente. Tem algumas insinuações de solo ao estilo “backwards”, o que confere à canção, certamente, uma atmosfera sessentista adorável. Sobre a temática, Ciro deixa de lado a sua descrença nas relações tradicionais via matrimônio, e fala sobre o amor livre, com certa intenção em estabelecer uma ode, inclusive.  

“Transbordando em silêncio nossos líquidos sagrados numa cumplicidade que só os amantes possuem, tornando nossos corpos um só diamante”

Bem, creio que a letra dispensa maiores comentários depois do trecho que descrevi acima. E a música termina com uma evocação das mais nobres: ”It’s Getting Better All the Time”… pois é, cinquenta anos depois e os “Beatles” sempre dizem tudo.

Comecei a ouvir a faixa seguinte, “Inundação de Amor” e pus-me a pensar como tal proposta sonora era oitentista e lembrava o BR-Rock 80’s de então, a parecer uma canção do Kid Abelha etc. e tal. Aí leio que é uma obra de fato composta no início daquela década, sob uma parceria do Ciro com o saudoso Julio Barroso. Está tudo explicado então, e eu, que tenho natural aversão à produção musical dessa década, nem percebi que tal canção fora famosa em meios midiáticos, tudo bem, assumo a minha ignorância sobre o assunto…

E a porção oitentista do disco prossegue, com uma regravação de “Sonífera Ilha”, grande sucesso radiofônico que praticamente estourou os Titãs para o mega estrelato naquela década, sendo contribuição do Ciro, como compositor, ao então noneto paulistano.

Essa versão do Flying Chair, está mais Rock, de fato, não tendo aquela carga oitentista calcada no Ska robótico e mergulhado em doses maciças de reverber, da gravação original dos Titãs. Mas no cômputo geral, apesar dessa boa atenuante no áudio, o arranjo não apresenta diferenças acentuadas.

“Cabine C”, por volta do lançamento do seu LP, “Fósforos de Oxford”, em 1986.

E revela-se como trilogia essa imersão aos anos oitenta, quando uma composição chamada “Cabine C / Na Primavera, faz uma homenagem para essa banda, onde o Ciro foi membro fundador. Lembra alguns trabalhos do David Bowie nessa referida década, mas não mergulha de cabeça no som calcado no Pós-Punk explícito que tal banda (Cabine C) professava, ao soar mais “Rock”, inclusive com timbre de respeito da parte do baixo. 

As guitarras lembram como Carlos Alomar trabalhava nessa fase da carreira do David Bowie, inclusive. Tem referências explícitas ao repertório do Cabine C, quando ele entoa-se versos de: “Pânico e Solidão”, uma sombria valsa gótica e peça do repertório dessa extinta banda.

Bem, passado esse interlúdio oitentista, voltamos a falar de Rock clássico e na faixa subsequente, “Crisálida”, o riff primordial situa-se entre o Bubblegum e a psicodelia da década de sessenta. Adorei o uso do Wah Wah na guitarra, com um sentido rítmico muito criativo. E mais uma vez, o Ciro foi bem personalista no uso da letra.

“Nosso Amor Exposto na Luz do Sol” começa bem, com uma mensagem padrão da aviação, através da doce voz feminina de uma comissária de bordo. Apertem os cintos que a “cadeira vai voar”, ótima sacada. A canção é bem Pop dos anos oitenta e tanto é assim, que há referência explícita à “Gang 90 & Absurdettes”, mais uma vez ao abrir os trabalhos na tábua Ouija, para buscar trazer alguma mensagem do Julio Barroso, diretamente do além.

“Eu Não Aguento Mais” mostra um Rock’n’ Roll de muita contundência. Gostei muito do trabalho das guitarras, backing vocals e solo.

“Todo Mundo quer Amor” é uma canção que o “8080” já havia gravado em seu álbum debut e cuja resenha eu publiquei em meu Blog 1, tempos atrás. Convido o leitor a ler ou relê-la. Eis o Link:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/search?q=8080

O que posso acrescentar aqui, é que devem ter raciocinado como argumento para incluí-la no bojo do álbum, o fato de que o Ciro também havia feito referências aos seus trabalhos anteriores e cairia bem, por conseguinte, haver também essa bagagem pessoal de Chico & Claudio.

Além do fato de ser uma peça com alto poder de persuasão radiofônica, portanto, uma candidata a tornar-se “sucesso”.

A penúltima faixa é “Beijo Interestelar”. Aqui, parece que a velha porção psicodélica do Ciro veio à tona, ao lembrar bastante as canções de seus discos solo. Gostei bastante da linha de backing vocals bem desenhada por baixo do belo solo de guitarra.

Não tenho dúvidas de que este disco único do Flying Chair, lançado em 2016, já está selecionado entre os melhores do rock brazuca nesses últimos anos.

Podem encontrar o trabalho da banda na (o):

Plataforma Onerpm: https://bitlybr.com/P0NppGoJ

Spotify: https://bitlybr.com/n65j

 


Por Luiz Domingues é músico e escritor

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