Por Luiz Domingues
Pepe Bueno é baixista de uma banda de Rock chamada Tomada, que já conta com uma carreira longeva na cena Rocker paulistana.
Superativo como músico, produtor musical e envolvido também com audiovisuais, ele é irrequieto por natureza e, não obstante o fato de batalhar arduamente por sua banda, encontra fôlego para trabalhos musicais paralelos em regime solo.
Em 2008, ele lançou o seu primeiro álbum solo “Nariz de Porco não é Tomada”, a estabelecer uma clara alusão em tom de brincadeira com o nome de sua própria banda.
E nesse trabalho, já surpreendeu positivamente ao fugir do clichê de que disco solo de baixista tem que ser inteiramente instrumental e calcado em Jazz-Fusion, recheado por solos de baixo. Pelo contrário, se tratou de um disco repleto de canções com teor Rock e apelo Pop convidativo.
Agora em 2016, ele lança um novo trabalho solo e surpreende mais uma vez, ao apresentar elementos os mais diversos, ainda que a formatação seja a de um conjunto de canções curtas, algumas com potencial radiofônico, até. Trata-se do CD “Eu, o Estranho”.
Não obstante o que citei acima, sobre o caráter Pop de algumas canções, o seu novo álbum investe bastante em psicodelia, experimentalismos e loucuras em geral, para lembrar os primeiros álbuns dos Mutantes, em muitos aspectos.
Com muita qualidade nas composições e arranjos, o álbum prima também pelo alto padrão instrumental, pois Bueno se cercou de ótimos músicos a acompanhá-lo, como a formar a banda base, além de alguns convidados pontuais e sensacionais.
Ao contar com Alberto Sabella (teclados, guitarras) e Junior Muelas (bateria e percussão), componentes da excelente banda “A Estação da Luz”, como o seu núcleo base, Bueno também teve o apoio de quatro guitarristas da pesada (Denny Caldeira, Xande Saraiva-Baranga, Edu Gomes e Pi Malandrino), além das cantoras: Renata Ortunho (também componente d’A Estação da Luz) e Débora Camiotto, e também do vocalista, Fernando Fish (ex-componente d’A Estação da Luz).
Com um time desses, e a ter em mãos boas composições e arranjos criativos na sua concepção, não teria como dar errado, e, de fato, não ocasionou outro resultado mesmo, ao se tratar de um excelente álbum.
A primeira faixa chama-se: “Se Abra” e cabe uma explicação em relação ao seu título, visto conter uma segunda intenção, em tom de homenagem prestada.
Além da ideia em “se abrir”, no sentido da predisposição para absorver uma ideia nova, como sugere inicialmente o título, foi também a maneira pela qual Pepe Bueno homenageou o saudoso baixista, Renê Seabra (Se Abra/Seabra), que era muito amigo dele e de quase todo mundo no meio Rocker de São Paulo, incluso este que vos escreve.
Tema instrumental, passeia pelo Jazz-Rock setentista com intenções funkeadas, a mostrar muita versatilidade musical. Ao apresentar uma introdução que lembra bastante o trabalho de Frank Zappa, contém uma linha de baixo intrincada, com intervenções muito ricas da guitarra e sobretudo pelos teclados pilotados por Alberto Sabella, que usou o seu arsenal setentista sensacional, de forma soberba.
Há a presença de um clavinete a imprimir muito balanço, um piano muito ao estilo de Chick Corea, órgão Hammond frenético a La Ken Hensley, e um solo de baixo muito louco, para derreter os miolos do ouvinte.
Aliás, para introduzir a entrada do referido solo, uma frase emblemática (e engraçada), que fora um bordão criado e usado pelo grande Renê, é pronunciada:
“Hey, Bro, liga o phodalizer!”
Ou seja, uma pilhéria que sempre arrancou risadas de quem o ouvia a pronunciar tal frase de efeito. É de fato, a única intervenção vocal da faixa, que é instrumental.
Junior Muelas, que é um dos meus bateristas prediletos na cena Rocker brasileira moderna, é tão seguro e preciso, quanto esperamos dele, e ainda colocou uma intervenção de percussão com cowbell e reco-reco, bastante estratégica, a garantir um “molho” todo especial em alguns trechos da canção.
E lá vamos nós, de encontro à segunda faixa, chamada “Rotina”, com uma deliciosa condução, ao melhor estilo das influências sessentistas que buscavam inspiração nos anos trinta do século passado, como um recurso bem difundido.
Dessa forma, tal tema é folk, bucólico, silvestre e lembra o trabalho de artistas como Donovan, The Beatles e outros internacionais, além de que possui o sabor de Rock Rural, como se estivéssemos no interior de Minas Gerais a ouvir um disco do Sá/Rodrix & Guarabyra, confortavelmente instalados em uma casa no campo.
Gosto muito da docilidade do mellotron, a la Beatles, a desenhar junto com a voz principal e os backing vocais. É bem divertida também a intervenção do baixo de Bueno, ao usar um recurso bem exagerado (synth bass, na verdade), com uma condução típica de música Folk, a realçá-la. Mostra-se porquanto muito interessante a intervenção do órgão Hammond, “limpo”, sem o uso da caixa Leslie, ao estilo “igreja”, que aparece vez por outra.
Há muitos detalhes com cordas, incluso um lap steel (executado pelo próprio Bueno, que aliás, pilotou vários violões e guitarras no disco todo), a se revelar bem “caipira” e colorido, é claro. A letra dessa canção contém um tanto do ideário hippie e eu gosto bastante dessa suposta ingenuidade perdida, mas que suplanta em muito a insistência de letristas pessimistas, ao pintarem o mundo de cinza.
“Deixe o sol entrar na sala, abra a porta ou deixe um vão; raio de luz mostra a vida, mais simples que a escuridão”…
Fecho com o “mahatma” Harrison, nessa questão, em deixar o sol entrar, sempre… portanto, eis mais uma boa inspiração de Pepe Bueno!
“Vale Dizer” é uma outra canção “beatle” (mas tem um “quê” do som do grupo britânico, “Small Faces”, nas entrelinhas, também), a denotar uma linha Folk-Rock, no entanto, a despeito de uma primeira impressão que eu tive, a opção por ter ficado alojada logo a seguir da anterior na formulação das faixas, no sentido de ter sido uma escolha errada pela quase similaridade estilística entre ambas, na verdade, ao ouvi-la com atenção, a minha impressão se dissipou por completo.
Muitos elementos da teia “beatle” a provocarem sonhos lúdicos, estão ali representados. A se discriminarem: solo de cravo a introduzir o elemento erudito, via George Martin, melloton doce a la “Strawberry Fields”; trechos em staccato, órgão Hammond, baixo com timbre grave e aveludado a marcar a tônica e quinta, ou quarta abaixo e guitarras pesadas a realçarem as partes mais dramáticas.
Lembrou-me também muitas canções da carreira solo do Ringo Starr, sempre alimentada pela cordialidade e genialidade de seus amigos talentosos e presentes constantemente em sua volta.
A quarta faixa se chama “Bem à Vista”. Trata-se de uma aposta no ritmo 6/8, a conter uma condução de baixo e bateria muito envolvente. Os teclados brilham muito: o órgão Hammond lembra muito a sonoridade de algumas boas bandas da seara do Hard-Rock setentista, tais como o Uriah Heep, Jane, Lucifer’s Friend, Birth Control e outras, com peso e saturação.
Gosto da parte B, muito dramática, a propor um crescente harmônico. É melancólica a melodia, principalmente pelo fato de ser realçada pela letra poética (“A escuridão vai chegar / E eu não vou me preocupar / Em acender a luz e sim em esperar/O dia amanhã ser e o sol / Chega cedo e brilha forte / Pedindo o seu espaço”). Lembrou-me pela intensidade, a cadência de “1921”, do disco “Tommy”, obra do The Who.
Os backing vocals são sensacionais, com um desenho de notas esticadas em mínimas e semínimas, a lembrar muito o trabalho vocal dos irmãos Nardo, nos bons tempos de Rita Lee & Tutti Frutti.
“Última Prova” apresenta o baixo de Pepe com um timbre sensacional, e o riff é “ganchudo”, pois lembra bastante os trabalhos solos de George Harrison.
Muelas e Sabella brilham muito. Gostei bastante da base de guitarra, também, com uma densidade rara, mas sem cair na tentação dos timbres modernosos e “crunchados” perpetrados por bandas com orientação pesada, e pelo contrário, a demarcar ser bem “vintage” (e por isso me agradou, certamente).
“Tudo o que queria” é a sexta faixa do disco e investe no Country-Rock. O timbre do órgão Hammond e do piano lembram demais o estilo da The Band. É como se Richard Manuel e Garth Hudson a houvessem gravado, mas certamente que ambos jogaram as suas bênçãos sobre Alberto Sabella. A canção apresenta um ótimo refrão e apoio da guitarra nessa canção.
“Pote de Mal” é um tremendo Blues-Rock em 6/8, com influências as mais nobres, a passear entre a influência de bandas e artistas solo tais como: Humble Pie, Mountain, Ten Years After, Robin Trower, Rory Gallagher etc.
É muito interessante o vibrato da guitarra em alguns trechos. Apreciei toda a loucura experimental a la “Whole Lotta Love”, do Led Zeppelin, no meio da canção, e o solo de guitarra é para arrepiar.
Por fim, a última faixa é emblemática ao bojo da obra toda. Ao justificar a temática que evoca a estranheza psicodélica, na canção “O Estranho”, Pepe Bueno não mediu esforços e apostou as suas fichas na rodada final do seu carteado, com muito experimentalismo, estranheza & psicodelia.
Neste caso, esse tema lembra muito o trabalho de bandas como o Gong, Can, Mutantes nos seus primeiros tempos, trabalhos solo de Syd Barrett e com a intervenção vocal de Débora Camiotto sob uma locução anárquica, traz a lembrança do trabalho de Arrigo Barnabé. Completamente louca, é uma faixa instigante que fecha bem o álbum e justifica seu título, como uma ode à loucura.
O disco foi gravado em dois estúdios. Parte no “Área 13”, de São José do Rio Preto-SP, estúdio de propriedade de Alberto Sabella, que pilotou a gravação, e uma outra parte no “Cakewalking”, de São Paulo, do não menos ótimo, Edu Gomes, que também fez a pilotagem dos botões.
O áudio ficou muito bom, moderno a observar o “level” alto, embora em alguns momentos eu tenha achado que a voz solo de Pepe Bueno tenha ficado obscurecida em uma briga com o instrumental.
Veja, eu sou um Rocker inveterado e detesto o conceito Pop/comercial em se colocar a voz solo muito acima do instrumental em um trabalho de mixagem, e pelo contrário, cresci a ouvir discos de bandas de Rock clássicas, com conceito oposto, das vozes mixadas quase no mesmo patamar dos instrumentos.
Mas eu senti em alguns trechos, uma certa dificuldade na inteligibilidade das letras. Claro, pode ter sido proposital para realçar a estranheza proposta na obra, conceitualmente portanto.
Sobre a capa, cabe um parêntese. Assinada por Fábio Mata (que também compôs a capa do CD debut d’A Estação da Luz), é um dos melhores trabalhos dos últimos tempos, em uma colagem muito criativa. Ao fazer jus ao mote geral da obra, tal ilustração trabalha com a ideia da estranheza expressa através de conceito surrealista, ao apresentar uma ilustração emoldurada como um quadro de exposição, e assim mostrar a perturbadora figura de dois homens sentados em uma mesa de restaurante, certamente sob a égide do conceito surreal.
Ambos estão trajados à moda dos anos quarenta e causa estranheza o rosto de um deles, fatiado em camadas como a insinuar a metáfora das subpersonalidades descoladas e o outro, com cabeça de elefante (a mencionar o panteão hinduísta talvez, seria Ganesh?), ao deixar derramar um copo de leite, que se espalha pela tela.
Isso tudo, além dos detalhes (cogumelos presentes no copo de um drink, a capa do primeiro álbum do Pepe Bueno, sobre a mesa etc). Conclusão: é estranhamente belo…
A mixagem do disco foi feita por Alberto Sabella, e o próprio, Pepe Bueno, com masterização a cargo de Daniel “Lanchinho”, em São Paulo. Foto por Victor Daguano. Assinam a produção geral, junto a Pepe Bueno: Alberto Sabella e Junior Muelas.
O disco não foi lançado em versão física, através do CD tradicional e Bueno justifica que tal iniciativa nos dias atuais, com o CD em decadência, tal disposição não faz sentido mais. Penso igual, que se registre. O artista não descarta no entanto, que no futuro haja um lançamento na versão em vinil, a se tratar do velho LP.
Como o mercado é volátil (e estratégico enquanto capitalista), quem poderia nos garantir que o CD não tenha um revival mais para a frente, também? Registre-se, também.
Por enquanto, a opção é ouvir a versão que o disco tem em plataformas streaming, como o Spotify e Deezer, por exemplo.
Bueno já produziu e lançou um vídeoclip, louquíssimo por sinal, da música “O Estranho”, disponível nos portais, YouTube e Vevo. Ele promete lançar um para cada canção, nos próximos meses.
Eis abaixo, o clip de “O Estranho” :
Veja também o clip do Making off da gravação do álbum “Eu, o Estranho” :
https://www.youtube.com/watch?v=kibR3_8bELo
Para conhecer melhor esse trabalho, procure informações na página de Marcelo “Pepe” Bueno no Facebook:
https://www.facebook.com/PepeBuenoRock
O disco na íntegra, no Spotify:
Contato direto com Pepe Bueno:
Eis aí mais um trabalho que eu recomendo, certamente!
Luiz Domingues é músico e escritor.
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