Dusty Old Fingers / CD The Man Who Died Everyday

Por Luiz Domingues

Eu já sabia havia muito tempo que o jornalista Tony Monteiro revelava-se também como um ótimo guitarrista, pois conheço-o desde os anos oitenta e, desde então, acompanhei o seu esforço para aprimorar-se ao instrumento. 

Profissional exemplar no campo do jornalismo musical, ele foi componente da equipe de redação das revistas Roll e Metal, naquela época, e o seu texto sempre foi exaltado como de primeira qualidade.

Reconhecia em seu estilo jornalístico a similaridade com a crítica musical escrita em veículos da década de setenta, tais como a Rolling Stone “brasileira” e a Rock, a História e a Glória, onde as grandes feras do jornalismo musical escreviam e fizeram história.

Conheço muitos jornalistas que tocam e considero isso normal, pois a paixão pela música quase que naturalmente impele-os para tal. Ao ver pelo lado prático, um crítico musical que toca algum instrumento só pode enriquecer a sua escrita, pois dessa forma qualifica-se para mergulhar nos meandros da música e, naturalmente, passa a ter outra visão sobre qualquer obra que for analisar profissionalmente, como crítico.

No caso do Tony, no entanto, isso foi além, pois recordo-me bem que, já naquela década, ele foi muito estudioso e fazia aulas com um guitarrista bastante preparado, técnica e teoricamente, ao levar a sério a sua dedicação para tocar bem, ao denotar que não estava a esmerar-se somente por uma questão do possível hobby, ou para enriquecer os seus conhecimentos musicais e, assim, visar abrir novos horizontes em sua visão sobre a música.

Muitos anos depois, eu soube que Tony Monteiro montara uma banda tributo aos Rolling Stones e regularmente via anúncios sobre as suas apresentações pelas casas noturnas de Campinas/SP, onde habita, e cidades vizinhas. Pois foi com muito prazer que eu tomei conhecimento que ele havia montado uma banda autoral chamada Dusty Old Fingers e que lançara um CD, com uma ideia muito bem-vinda: um tributo ao mítico guitarrista dos Rolling Stones, Brian Jones, na forma de uma ópera rock!

 

The Man Who Died Everyday: o tributo a Brian Jones

Em The Man Who Died Everyday, o libreto que a banda criou, narra a trajetória de Brian Jones e muitos pontos-chave de sua biografia, ao fazer uso de poesia e também de referências musicais explícitas para exaltá-las. O menino que sabia tocar muitos instrumentos; tinha a aparência de um anjo, mas também era irascível; gênio e genioso; intenso e marcante a viver em uma década pontuada por tantos outros talentos contemporâneos e capaz de ofuscar Jagger & Richards… 

Brian Jones, segundo os biógrafos, foi o catalisador dos Rolling Stones. Foi dele a iniciativa de fundar a banda e dele a escolha dos demais membros. Genial como compositor, multi-instrumentista e artista performático, chamava a atenção para si com um carisma incontestável.

Muitos biógrafos cravam a ideia de que sua genialidade incomodava a dupla formada por Mick Jagger & Keith Richards. Charlie Watts e Bill Wyman pareciam não se importar, mas os “Glimmer Twins”, supostamente, sim.

Jones mergulhara forte na experiência psicodélica das drogas e chegou em um ponto onde ficou difícil permanecer na banda. Já em 1968, emitia sinais inequívocos em público de que  seu estado de saúde não era dos melhores, por conta dos abusos.

Contudo, é muito nebulosa a sua saída oficial da banda. Richards passou a namorar Anita Pallemberg, ex-namorada de Brian, e isso parece ter azedado de vez a relação entre ambos.

Já tomadas as providências para substituí-lo e com show marcado para a estreia de seu substituto, o guitarrista Mick Taylor, em julho de 1969, estoura a notícia de que Jones estava morto, encontrado afogado na piscina de sua mansão.

Essa morte, em princípio, foi creditada ao seu estado catatônico, portanto como um mero acidente. Não suicidara-se, mas simplesmente caíra na piscina sem consciência de seus atos, por conta do abuso no uso de drogas alucinógenas. A polícia trabalhou também com a hipótese de assassinato, quando surgiu um suspeito: talvez houvesse sido culpa de um funcionário da manutenção da residência, que o empurrara na piscina por motivo torpe.

Entretanto, nunca surgiu uma prova incisiva e esse rapaz saiu ileso dessa acusação. Muitos anos depois, no entanto, o rapaz já envelhecido e doente, no seu leito de morte, arregimentou testemunhas e assinou, no seu último ato em vida, a confissão de que, sim, assassinara Jones por vingança, em um momento de muita raiva, cansado de ser humilhado pelo seu patrão, o qual, supostamente,  tratava-o com desdém.

Mesmo com uma confissão formal, essa história ainda suscita muita controvérsia. Dividem-se opiniões, com muitos a encerrar a questão sobre o tal caseiro ter sido o assassino e outros, que suspeitam que ele fora um mero bode expiatório, pago pelo verdadeiro assassino ou seja, pelo mandante do crime.

Verdade ou mentira, o fato é que quando Brian Jones foi encontrado a boiar sem vida naquela piscina, o Rock começou a morrer junto. Dali em diante, mais três ícones sessentistas que detinham a letra “J” em seu nome fizeram-lhe companhia na tragédia: Jimi Hendrix e Janis Joplin (1970) e Jim Morrison (1971).

 

O prazer na audição faixa a faixa

Na ópera rock composta pelo Dusty Od Fingers existe momentos muito interessantes para refletir sobre a biografia de Brian Jones.

Logo na primeira faixa, “My Best Enemy”, a harmônica leva-nos ao blues, onde tudo começou para Brian Jones. A sua paixão pelo ritmo norte-americano e como isso deu o movimento para os Rolling Stones começarem a sua carreira marcada pelo sucesso retumbante. Nessa faixa, canta-se: “I discovered James and Johnson / I discovered I could live my way”…

A segunda música do CD, “The World at my Feet”, cujo título já diz tudo, aliás, mostra o Brian naturalmente genial, confiante no seu potencial e pronto para tornar-se um rock star, como de fato aconteceu.

Em “Blond Hair, Baby Face”, trata-se de uma bela balada com pegada R’n’B. A letra conta sobre o deslumbramento das fãs descabeladas que esgoelavam-se nas primeiras fileiras dos shows. Ele era um gênio e chamava a atenção pela sua “baby face”, sem dúvida alguma.

 Uma de minhas canções prediletas desse álbum é: “Librae Solidi Denarii”, que conta como a experiência psicodélica fez Jones mergulhar de cabeça nas drogas. A levada lembra-me bastante Frank Zappa e as referências psicodélicas são muitas.  Música muito boa mesmo, e, para um fanático pelos anos sessenta como eu sou, assumidamente, é um devaneio.

“Everything That I Want” fala sobre o talento de Brian. O rapaz que tirava som de qualquer instrumento, através de uma percepção musical extraordinária.

“Lost Eyes” é outra faixa excelente. Lembrou-me bastante o Black Crowes, em sua parte “A,” com a pura evocação retrô, sob muita qualidade. Na letra, mostra-se como Brian começa a perder o controle de sua vida e tudo dissipa-se, como um sonho…

“Dirty Hands” é um blues de respeito. Muito bom o riff inicial e melodia, a contar a passagem de sua biografia onde uma batida policial feita em sua residência resultou em um processo sobre o porte de drogas.

“Going to Hell” é uma bela balada e na letra, narra-se a revolta interna de Jones ao assistir a sua vida a perder-se; os seus amigos a tratá-lo de uma forma estranha e o pior estava por vir: perderia a namorada e a sua própria banda…

“A Shadow of Myself” é um desabafo de Jones, através de uma licença poética plausível, eu diria. O blues rústico e melancolicamente belo, embala tal lamento de um astro que perdera tudo, até a própria vida.

 Para fechar o álbum, a canção “The Man Who Died Everyday” é pura poesia ao falar de Brian Jones como o grande artista que nos faz muita falta, por deixar-nos muito precocemente. A canção é uma balada dramática com “jeito de Rolling Stones”, nada mais apropriado. Achei incrível o arranjo ao final, com o piano a manter o tema principal, mas com uma leveza melódica e harmônica a evocar a delicadeza melódica ao estilo de Debussy. O toque melancólico desse piano, para encerrar a obra, leva-nos à reflexão sobre o vazio que Brian deixou para a história do Rock, ao afogar-se naquela piscina, em um dia de julho de 1969…

 

A criatividade da banda Dusty Old Fingers

 

O Dusty Old Fingers é uma ótima banda, formada por Tony Monteiro (guitarra, violão e voz); Rick Machado (bateria e percussão); Fabiano Negri (vocal, guitarra e violão); Joni Leite (baixo e harmônica) e Marcelo Diniz (teclados).

Alguns músicos convidados participaram da gravação do trabalho, como: Cesar Pinheiro (gravou a bateria em todas as faixas, ao denotar que o baterista oficial da banda, Rick Machado, ingressou depois); Paulo Gazzaneo (piano) e Sheila Le Du (vocal).

A concepção das letras – muito bem escritas e com grandes sacadas sobre todos os pontos importantes da vida e obra de Brian Jones – é de Tony Monteiro. Nesse caso, a caneta forte do jornalista de primeira grandeza que ele é contribuiu com o Tony compositor. As canções são do vocalista/guitarrista Fabiano Negri, que se revela  um bom compositor e eclético, sobretudo, pois a variedade de influências boas perceptíveis, impressiona.

O baixista Joni Leite fez o trabalho do layout extraordinário para o encarte. No caso da capa, a concepção foi de Ben Ami Scopinho. Apesar de ser uma ideia que denota tristeza pela perda de Jones, é muito poética e forte a imagem dos membros da banda à beira da fatídica piscina, em tom de consternação.

Na parte interna, a imagem da guitarra predileta que Brian usara nos Rolling Stones  (uma Vox “Teardrop”), mergulhada na piscina, diz tudo e emociona. 

O mundo mudou muito, o tempo passou, eu sei. Tirante um nicho de jovens que apreciam a Era clássica do Rock, fenômeno isolado e que até surpreende-nos, a grande massa na atualidade nem sabe quem foi Brian Jones. Rolling Stones, para a maioria, é uma banda formada por senhores idosos, liderados por Mick Jagger, que ficou famoso no Brasil por ter tido um filho com uma ex-modelo brasileira, e Keith Richards é um homem velho muito parecido com o ator Johnny Depp, quando este caracteriza-se como um pirata do Caribe…

A única música que conhecem é “Start me up”, que consideram a mais “antiga”, e “Miss You”, que é dançante, e devem achar que se trata de um cover dos Bee Gees… enfim, o que posso fazer diante de uma realidade assim, tão desoladora ?

Bem, é por essa e por outras que eu recomendo o trabalho do Dusty Old Fingers, por tratar-se de um documento muito bonito para registrar a vida e obra de um artista genial, como foi Brian Jones. Eu gosto imensamente dos Rolling Stones e considero suas duas distintas fases, ocorridas nos anos sessenta e nos setenta, como as melhores da sua carreira, enquanto explosão de criatividade e “desbunde”, no restrito significado que tal gíria denotou naquelas duas décadas.

Na década de sessenta, com Brian na banda, não foram poucos os momentos de brilhantismo incríveis que os Rolling Stones  legou-nos. E Brian Jones fora o gênio por trás dessa grandeza artística da banda, sem nenhum demérito aos demais componentes.

Se quiser conhecer essa história a fundo, basta pesquisar na internet; nos livros e, sobretudo, ouvir os discos dessa fase da banda. E recomendo conhecer também, bastante inclusive, trabalho do grupo paulista Dusty Old Fingers, com a sua ópera-rock sobre Brian Jones: The Man Who Died Everyday, que se tornou, por extensão, mais um documento importante para registrar a história.

 

Contato com a banda:

www.dustyoldfingers.com
www.facebook.com/DustOld Fingers


Luiz Domingues é músico e escritor.

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